Mônica Hoff para Pivô Arte e Pesquisa (2023)
E se o conjunto vazio da matemática fosse interpelado por um ponto riscado de caboclo? E se os fantasmas fossem, na verdade, testemunhas? É possível trabalhar o imaginário produzindo as mesmas imagens? O que existe entre a existência e a extinção? Deslembrar ou desesquecer são possibilidades?
No trabalho de Abiniel João Nascimento, presença e ausência, morte e vida não são condições opostas, tampouco constroem uma relação incompatível – coexistem questionando um certo sistema de verdades e assumindo diferentes materialidades. Mais do que gerar um espaço narrativo ficcional, interessa à artista a liminaridade como método de pesquisa e criação, por sua capacidade de materializar o que não se vê do que se conta, e o que não se conta do que também existe. Entende, na liminaridade, a fantasmagoria como uma presença que se apresenta a partir de costumes e práticas que não existem para o estado.
Nessa investigação arqueológica da construção – histórica e metafórica – das imagens, Abiniel se abre às presenças. Ao habitar o encontro entre o humano e o encantado, produz presenças ancestrais a partir de materialidades que, ao serem reorganizadas e reapresentadas, reinventam sua própria condição de existência, torcendo a carga de verdade (e realidade) que até então continham. Com isso, burla a maquinaria da memória historicamente empenhada em nos dizer o que lembrar e o que esquecer.
“A testemunha”, trabalho desenvolvido pela artista durante a residência no Pivô, veio para reafirmar isso. "Primeiro sustento”, também. Na performance, que toma como epistemologia o reconhecimento de um processo cruzado, uma dobra de tempo, entre a tecnologia milenar da TPI – terras pretas de índio na amazônia – e as oferendas de caboclo, cabocla, mestres e mestres na Jurema Sagrada no nordeste do Brasil, Abiniel ocupa parte do espaço da refinaria da Usina Santa Terezinha, em Pernambuco, com alimentos ofertados à terra. A terra preta é um tipo de substrato extremamente fértil criado pela presença humana indígena e cultivado por povos tradicionais ao longo dos últimos milênios. Deste modo, ao alimentar a terra, a artista a prepara para aqueles que se nutrem dela em vida, e também para os encantados, que a seguem nutrindo espiritualmente.
Mônica Hoff for Pivô Arte e Pesquisa (2023)
What if the empty set in mathematics were challenged by a scribbled mark of a caboclo? What if ghosts were actually witnesses? Is it possible to work with theimaginary by producing the same images? What exists between existence and extinction? Are "unremembering" or "forgetting" possible?
In Abiniel João Nascimento's work, presence and absence, death and life are not opposing conditions, nor do they construct an incompatible relationship—theycoexist, questioning a certain system of truths and assuming different materialities. More than generating a fictional narrative space, the artist is interested in liminalityas a method of research and creation, for its capacity to materialize what is unseen in what is told, and what is untold in what also exists. She sees liminality as a formof ghostliness that emerges from customs and practices that do not exist for the state.
In this archaeological investigation of the historical and metaphorical construction of images, Abiniel opens herself to presences. By inhabiting the encounter betweenthe human and the enchanted, she produces ancestral presences from materialities that, when reorganized and re-presented, reinvent their own condition ofexistence, twisting the burden of truth (and reality) that they previously contained. In doing so, she subverts the machinery of memory historically tasked with telling uswhat to remember and what to forget.
"The Witness," a work developed by the artist during her residency at Pivô, reaffirms this. "First Sustenance" does as well. In the performance, whichemploys epistemology as a cross-processed, folded time between the ancient technology of TPI—black earth of the indigenous people in the Amazon—and theofferings of caboclo, cabocla, masters, and mistresses in Jurema Sagrada in northeastern Brazil, Abiniel occupies part of the space at the Santa Terezinha Refinery in Pernambuco with food offerings to the land. Black earth is an extremely fertile substrate created by indigenous human presence and cultivated by traditional peoplesover the last millennia. By feeding the land, the artist prepares it for those who draw sustenance from it in life, and also for the enchanted beings who continue tonourish it spiritually.